Gestão democrática e suas
implicações na prática escolar
A escola é uma instituição educacional
criada pelo ser humano com a finalidade de sistematizar o conhecimento construído
ao longo dos séculos e socializá-lo entre as pessoas de uma dada sociedade, na
tentativa de construir e reconstruir novos saberes. Desse modo, a escola se
configura como locus privilegiado de produção do saber e, consequentemente como uma
instituição social que, mediante seu exercício no campo do conhecimento, dos
valores e das atitudes, articula determinados interesses e desarticula outros.
Nesse sentido, é oportuno ressaltar
que não se pode pensar sobre educação sem se pensar na escola e na sua função
social. Isto implica também repensar o próprio papel da escola, sua organização
e os atores que a compõem, uma vez que a educação é uma atividade que se
desenvolve nas relações construídas entre as pessoas, e por isso, se configura
como a apropriação da cultura historicamente produzida pela humanidade, mas
também como espaço de disputa hegemônica. Logo, as relações travadas no âmbito
escolar constituem-se como processos educativos que se formam nas relações de
trabalho e de poder.
Além disso, pensar a função social
da educação e da escola sugere múltiplos questionamentos sobre a realidade
escolar circundante na tentativa de se construir a escola que se deseja. Nesse processo,
a articulação entre os diversos segmentos que fazem parte da comunidade escolar
e a criação de espaços e mecanismos de participação são atitudes essenciais
para o aprendizado do exercício democrático, na construção de um processo de
gestão democrática. Por isso, o projeto
de educação a ser desenvolvido nas unidades escolares precisa estar ajustado à
realidade de cada escola, visando a sua transformação, uma vez que a rotina de
cada instituição escolar não é algo imutável, pronto e acabado.
É nesse contexto de participação
efetiva na tomada de decisões que interferem de modo significativo no cotidiano
escolar, que se insere a gestão democrática da escola. Vale enfatizar que a
forma de administrar/gerenciar a escola nem sempre foi democrática, devido às
condições políticas, econômicas e sociais que regem o nosso país. Somente a
partir do final da década de 1980, com a aprovação da Constituição Federal de 1988,
foi que se estabeleceram princípios basilares para a educação brasileira, como
obrigatoriedade, gratuidade, liberdade e gestão democrática, sendo estes
princípios regulamentados por leis complementares que mudaram as concepções, os
conceitos e os objetivos da educação brasileira. No entanto, essas mudanças,
não foram incorporadas assim tão facilmente à realidade escolar, visto que o
modelo tradicional de ensino que se pautava nos moldes da ditadura militar
impregnava o sistema político-educacional brasileiro e quebrar paradigmas no
que se refere à forma de pensar e conceber a educação não é algo tão facilmente
aceito, sobretudo, em uma sociedade capitalista, burocrática e centralizadora
como a nossa.
Portanto, muitas lutas, embates e
discussões por parte de educadores e movimentos sociais ainda foram necessários
para que as adaptações necessárias ao contexto escolar brasileiro ganhassem uma
nova formatação e tivesse, assim, a participação do diversos atores sociais que
compõem a comunidade escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional
– LDB – nº 9394/96 trouxe também mudanças significativas ao contexto
educacional brasileiro. Embora trate a gestão educacional de forma superficial,
em seu artigo 14 define que os sistemas de ensino devem estabelecer normas
para o desenvolvimento da gestão democrática nas escolas públicas de educação
básica e que essas normas devem, em primeiro lugar, estar de acordo com as
particularidades de cada sistema e, em segundo, garantir a participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, além
da participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
Logo, para fundamentar a
gestão democrática da escola são necessários princípios que a norteiem. E
dentre estes, cabe destacar a autonomia, a participação coletiva efetiva na
tomada de decisões, a implementação de colegiados nas escolas e o financiamento
da gestão pelo poder público. Nesse sentido, a gestão democrática da educação demanda
mais do que simples modificações nas estruturas organizacionais, exige alteração
de modelos que abalizem a construção de uma proposta educacional e o
desenvolvimento de uma gestão diferente da que é experienciada na atualidade. Este
novo modelo de gestão precisa ser diferente dos modelos vigentes, frequentemente
desenvolvidos pelas organizações burocráticas. Dirigir a educação, nesta
modalidade de gestão, constitui-se num fazer coletivo, em constante processo de
mudança continuamente baseada nos padrões emergentes da nova sociedade do
conhecimento que fundamentam a concepção de qualidade na educação e definem,
também, a finalidade da escola.
Assim, é pertinente ressaltar que
gestão democrática da escola é um processo político-administrativo
contextualizado que visa a participação de todos os atores que compõem a
comunidade escolar – corpo diretivo, professores, funcionários, alunos e pais
de alunos – na tomada de decisões que nortearão o processo de construção do
conhecimento. É tida e vislumbrada como probabilidade de melhoria na qualidade pedagógica
do processo educacional das escolas, na construção de um currículo legitimado pela
realidade local.
Baseando-se nesses pressupostos,
pode-se inferir que a gestão democrática implica na construção de uma participação
coletiva efetiva e sua concretização no trabalho escolar supõe instâncias
colegiadas de caráter deliberativo, bem como a implementação do processo de
escolha de dirigentes escolares, além da participação de todos os segmentos da comunidade
escolar na construção do Projeto Político-Pedagógico e na definição da
aplicação dos recursos recebidos pela escola. E para tal fim, é
necessário que o gestor, em parceria com o conselho escolar, crie um ambiente
promissor que instigue a busca de alternativas viáveis às necessidades da
escola e possibilite a realização de trabalhos conjuntos, considerando de forma
igualitária todos os setores da escola, coordenando os esforços de
funcionários, professores, pessoal técnico-pedagógico, alunos e pais envolvidos
no processo educacional.
Entretanto, é importante destacar
que a escolha do gestor no território brasileiro ocorre de forma bastante
variada: em alguns estados e municípios, o gestor é escolhido através de
eleições, em outros através de nomeações feitas pelos poderes políticos. Além
disso, a autonomia da gestão escolar no Brasil ainda é restrita, porque o nosso
sistema educacional preserva mecanismos que impedem seus gestores de escolherem
os professores e funcionários através de critérios, como, boa qualificação e
bom desempenho profissionais. Ademais, o fazer pedagógico e administrativo na
escola é um ato político, e portanto, exige um posicionamento da equipe gestora
acerca de quais escolhas/alternativas podem ser feitas/tomadas, uma vez que a
gestão escolar não é neutra, envolve atores sociais e tomadas de decisão.
Por isso, a escola enquanto uma
instituição social que lida diariamente com a formação de sujeitos ativos e
partícipes da construção do conhecimento na produção de um bem imaterial e
subjetivo – o saber – não pode ser vista e pensada exclusivamente sob a égide
empresarial, porque ambas possuem especificidades distintas. Assim, a
estruturação e organização de uma escola devem estar pautadas no modelo que
melhor atenda às suas peculiaridades, levando em consideração que o aluno é
sujeito e objeto no processo de produção e socialização do conhecimento historicamente
produzido, que a formação humana é o principal objetivo da construção da
identidade escolar, segundo seus atores sociais e, por ser uma instância
contraditória, contribui para a superação da dominação e para a manutenção das
condições objetivas, devido a sua função social que é atender a todos, e ao
fato de seu objeto de trabalho ser o próprio homem, não pode escolher a
matéria-prima com a qual vai trabalhar.
Diante do exposto, é importante
destacar que a unidade escolar a qual pertenço enquanto membro diretivo vem
tentando construir uma proposta pedagógica que contemple a participação
coletiva da comunidade escolar e que privilegie a construção do conhecimento
como mola propulsora para a formação crítica e consciente do alunado.
Entretanto, essa não é uma tarefa fácil, uma vez que o exercício da cidadania,
da autonomia e da participação coletiva enquanto ato político são atividades
ainda incipientes em nossa comunidade. A formação ética e crítica, o
compromisso profissional e o respeito ao trabalho e ao cidadão enquanto ser
humano ainda são desvalorizados por parte de membros dos diversos segmentos que
compõe a comunidade escolar. Este fato reflete o quão árduo é o trabalho a ser
feito, a fim de tornar a escola um espaço mediador da construção do
conhecimento. Assim, a possibilidade da construção de práticas administrativas
na escola, voltadas para a transformação social, reside exatamente nessa
contradição existente no seu interior. Nesse sentido, a administração escolar
é, atualmente, vista por alguns como mediação, ou seja, como elemento mediador
entre os recursos diversos existentes na instituição escolar (humanos,
financeiros, materiais, pedagógicos, entre outros) e a busca dos seus objetivos
(a formação cidadã).
________
¹ Pós-graduada em Estudos Literários e Linguística Aplicada ao Ensino (UNEB), pós-graduanda em Gestão Escolar (UFBA) e graduada em Letras Vernáculas (UNEB).
Nenhum comentário:
Postar um comentário