Princípios da Gestão

Gestão democrática e suas implicações na prática escolar

 
 Maria das Graças de Carvalho César¹

 
               A escola é uma instituição educacional criada pelo ser humano com a finalidade de sistematizar o conhecimento construído ao longo dos séculos e socializá-lo entre as pessoas de uma dada sociedade, na tentativa de construir e reconstruir novos saberes. Desse modo, a escola se configura como locus privilegiado de produção do saber e, consequentemente como uma instituição social que, mediante seu exercício no campo do conhecimento, dos valores e das atitudes, articula determinados interesses e desarticula outros.
               Nesse sentido, é oportuno ressaltar que não se pode pensar sobre educação sem se pensar na escola e na sua função social. Isto implica também repensar o próprio papel da escola, sua organização e os atores que a compõem, uma vez que a educação é uma atividade que se desenvolve nas relações construídas entre as pessoas, e por isso, se configura como a apropriação da cultura historicamente produzida pela humanidade, mas também como espaço de disputa hegemônica. Logo, as relações travadas no âmbito escolar constituem-se como processos educativos que se formam nas relações de trabalho e de poder.
              Além disso, pensar a função social da educação e da escola sugere múltiplos questionamentos sobre a realidade escolar circundante na tentativa de se construir a escola que se deseja. Nesse processo, a articulação entre os diversos segmentos que fazem parte da comunidade escolar e a criação de espaços e mecanismos de participação são atitudes essenciais para o aprendizado do exercício democrático, na construção de um processo de gestão democrática.  Por isso, o projeto de educação a ser desenvolvido nas unidades escolares precisa estar ajustado à realidade de cada escola, visando a sua transformação, uma vez que a rotina de cada instituição escolar não é algo imutável, pronto e acabado.
               É nesse contexto de participação efetiva na tomada de decisões que interferem de modo significativo no cotidiano escolar, que se insere a gestão democrática da escola. Vale enfatizar que a forma de administrar/gerenciar a escola nem sempre foi democrática, devido às condições políticas, econômicas e sociais que regem o nosso país. Somente a partir do final da década de 1980, com a aprovação da Constituição Federal de 1988, foi que se estabeleceram princípios basilares para a educação brasileira, como obrigatoriedade, gratuidade, liberdade e gestão democrática, sendo estes princípios regulamentados por leis complementares que mudaram as concepções, os conceitos e os objetivos da educação brasileira. No entanto, essas mudanças, não foram incorporadas assim tão facilmente à realidade escolar, visto que o modelo tradicional de ensino que se pautava nos moldes da ditadura militar impregnava o sistema político-educacional brasileiro e quebrar paradigmas no que se refere à forma de pensar e conceber a educação não é algo tão facilmente aceito, sobretudo, em uma sociedade capitalista, burocrática e centralizadora como a nossa.
               Portanto, muitas lutas, embates e discussões por parte de educadores e movimentos sociais ainda foram necessários para que as adaptações necessárias ao contexto escolar brasileiro ganhassem uma nova formatação e tivesse, assim, a participação do diversos atores sociais que compõem a comunidade escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional – LDB – nº 9394/96 trouxe também mudanças significativas ao contexto educacional brasileiro. Embora trate a gestão educacional de forma superficial, em seu artigo 14 define que os sistemas de ensino devem estabelecer normas para o desenvolvimento da gestão democrática nas escolas públicas de educação básica e que essas normas devem, em primeiro lugar, estar de acordo com as particularidades de cada sistema e, em segundo, garantir a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, além da participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
               Logo, para fundamentar a gestão democrática da escola são necessários princípios que a norteiem. E dentre estes, cabe destacar a autonomia, a participação coletiva efetiva na tomada de decisões, a implementação de colegiados nas escolas e o financiamento da gestão pelo poder público. Nesse sentido, a gestão democrática da educação demanda mais do que simples modificações nas estruturas organizacionais, exige alteração de modelos que abalizem a construção de uma proposta educacional e o desenvolvimento de uma gestão diferente da que é experienciada na atualidade. Este novo modelo de gestão precisa ser diferente dos modelos vigentes, frequentemente desenvolvidos pelas organizações burocráticas. Dirigir a educação, nesta modalidade de gestão, constitui-se num fazer coletivo, em constante processo de mudança continuamente baseada nos padrões emergentes da nova sociedade do conhecimento que fundamentam a concepção de qualidade na educação e definem, também, a finalidade da escola.
             Assim, é pertinente ressaltar que gestão democrática da escola é um processo político-administrativo contextualizado que visa a participação de todos os atores que compõem a comunidade escolar – corpo diretivo, professores, funcionários, alunos e pais de alunos – na tomada de decisões que nortearão o processo de construção do conhecimento. É tida e vislumbrada como probabilidade de melhoria na qualidade pedagógica do processo educacional das escolas, na construção de um currículo legitimado pela realidade local.
             Baseando-se nesses pressupostos, pode-se inferir que a gestão democrática implica na construção de uma participação coletiva efetiva e sua concretização no trabalho escolar supõe instâncias colegiadas de caráter deliberativo, bem como a implementação do processo de escolha de dirigentes escolares, além da participação de todos os segmentos da comunidade escolar na construção do Projeto Político-Pedagógico e na definição da aplicação dos recursos recebidos pela escola. E para tal fim, é necessário que o gestor, em parceria com o conselho escolar, crie um ambiente promissor que instigue a busca de alternativas viáveis às necessidades da escola e possibilite a realização de trabalhos conjuntos, considerando de forma igualitária todos os setores da escola, coordenando os esforços de funcionários, professores, pessoal técnico-pedagógico, alunos e pais envolvidos no processo educacional.
                Entretanto, é importante destacar que a escolha do gestor no território brasileiro ocorre de forma bastante variada: em alguns estados e municípios, o gestor é escolhido através de eleições, em outros através de nomeações feitas pelos poderes políticos. Além disso, a autonomia da gestão escolar no Brasil ainda é restrita, porque o nosso sistema educacional preserva mecanismos que impedem seus gestores de escolherem os professores e funcionários através de critérios, como, boa qualificação e bom desempenho profissionais. Ademais, o fazer pedagógico e administrativo na escola é um ato político, e portanto, exige um posicionamento da equipe gestora acerca de quais escolhas/alternativas podem ser feitas/tomadas, uma vez que a gestão escolar não é neutra, envolve atores sociais e tomadas de decisão.
               Por isso, a escola enquanto uma instituição social que lida diariamente com a formação de sujeitos ativos e partícipes da construção do conhecimento na produção de um bem imaterial e subjetivo – o saber – não pode ser vista e pensada exclusivamente sob a égide empresarial, porque ambas possuem especificidades distintas. Assim, a estruturação e organização de uma escola devem estar pautadas no modelo que melhor atenda às suas peculiaridades, levando em consideração que o aluno é sujeito e objeto no processo de produção e socialização do conhecimento historicamente produzido, que a formação humana é o principal objetivo da construção da identidade escolar, segundo seus atores sociais e, por ser uma instância contraditória, contribui para a superação da dominação e para a manutenção das condições objetivas, devido a sua função social que é atender a todos, e ao fato de seu objeto de trabalho ser o próprio homem, não pode escolher a matéria-prima com a qual vai trabalhar.
               Diante do exposto, é importante destacar que a unidade escolar a qual pertenço enquanto membro diretivo vem tentando construir uma proposta pedagógica que contemple a participação coletiva da comunidade escolar e que privilegie a construção do conhecimento como mola propulsora para a formação crítica e consciente do alunado. Entretanto, essa não é uma tarefa fácil, uma vez que o exercício da cidadania, da autonomia e da participação coletiva enquanto ato político são atividades ainda incipientes em nossa comunidade. A formação ética e crítica, o compromisso profissional e o respeito ao trabalho e ao cidadão enquanto ser humano ainda são desvalorizados por parte de membros dos diversos segmentos que compõe a comunidade escolar. Este fato reflete o quão árduo é o trabalho a ser feito, a fim de tornar a escola um espaço mediador da construção do conhecimento. Assim, a possibilidade da construção de práticas administrativas na escola, voltadas para a transformação social, reside exatamente nessa contradição existente no seu interior. Nesse sentido, a administração escolar é, atualmente, vista por alguns como mediação, ou seja, como elemento mediador entre os recursos diversos existentes na instituição escolar (humanos, financeiros, materiais, pedagógicos, entre outros) e a busca dos seus objetivos (a formação cidadã).

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¹ Pós-graduada em Estudos Literários e Linguística Aplicada ao Ensino (UNEB), pós-graduanda em Gestão Escolar (UFBA) e graduada em Letras Vernáculas (UNEB).

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